terça-feira, 23 de setembro de 2008

Slow motion

Lembrei da vez que escrevi uma daquelas redações "tema livre" na escola. Aliás deve ser a escola mais podre do mundo depois que eu ouvi de um professor que noventos reais não educa/forma um filho.

É. Escola não custava tudo isso. Acho que o governo gasta mais com um preso do que com uma criança na escola. Ah! nem sei, e não é disso que quero falar. Na verdade é só fugir do trabalho. E falar de uma vez que usava um cabelo tigelinha e tive noção que era capaz de escrever bobagens.

Foi um tanto engraçado olhar pra cara da professora. Na maior parte da minha vida escolar sempre fui um aluno mediano. Na média, saca? Talvez ela tenha ficado surpresa, pois é, ficou. Lembro perfeitamente da cara dela. Aquilo ficou gravado com perfeição. Diria que foi o primeiro sucesso da minha vida, ao menos que eu me lembre. Quem sabe ela teria seus 50 ou 60 anos, aguentando aquele monte de criança sem graça e sem jeito. Na maior parte do tempo ela carregava no rosto aquela boca meio "lua minguante", sempre pensava nas vias e na violência da vida que era capaz de deixar na escuridão um riso.

No dia era a tal redação, livre pra escrever. Ah! o processo criativo das crianças eram um tanto engraçado, precário, e confesso caia sempre na mesmice. Era gente que voava, que morria e voltava a vida e todas as bobagens normais de qualquer criança. Talvez até por isso nem se considere bobagem. Coisa de criança.

Mas naquele dia foi quase um triunfo do garotinho com seu cabelo "tigelinha". Ah! não. Foi um triunfo. Escrevi algo sobre uma praça, que deixou de ser praça pra ser um prédio de uma grande corporação. Sei que terminava tudo junto com uma arquitetura futurística e lembranças que deixaram de ser materiais. Lembranças que se esconderam no mundo das idéias. Claro que isso é um resumo desse cara que nem mais tem o cabelo tão "tigelinha" e confere alguns varios centímentros a mais na estatura.

Na próxima aula ela chamou um por vez na sua mesa, falar dos erros de português e tudo mais. Crianças tendem a ficar idiotas nesses momentos, ainda mais quando a professora não tem nenhum traço de hospitalidade.

Depois de ver várias folhas com rabiscos vermelhos, notas nada convidativas para mostrar para mãe, chegou a minha vez. Parece ter sido desligado daquele lugar. Foi estranho, antes de tudo olhei pra minha folha. Uma boa nota pra mostrar pra mãe e rabiscos vermelhos sim. Afinal não tinha largado ainda o tal costume de trocar em algumas palavras o "f" pelo "v".

Sentei na sua mesa e foi um instante singular. Uma ela tinha na face algo como uma leve descrença naquilo que tinha lido, talvez não esperasse aquilo de uma aluno daquela série. Vi também uma espécie de orgulho, como se ela teria contribuído para ter realizado aquilo. Tinha até certeza no seus olhos, e ela soltou um riso. Riso pra dizer que faz sentido. Faz sentido.

O melhor, ela soltou um riso.

No final ela soltou algo que tinha uma certa "maturidade" nada comum em crianças de "tigelinnhas" ou essas que berram verdades sem nem ao menos terem degustado da vida. Não que eu seja maduro, nem que eu um dia fui.

Mas eu lhe dei a surpresa. Um riso.

Mesmo com minha história triste. Isso que me deixou mais pensativo.

E o que cavou a minha mente e deixou bem claro em mim todas as suas expressões, deve ter sido o modo que eu trouxe essa vivacidade, que sempre esteve escondida.

E como depois ficou. Escondida.

Nunca mais vi seu riso. Só mesmo a boca "minguante".

Nenhum comentário: